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Caixa Dois e a Abominável Contabilidade Paralela

Apresentamos uma breve análise sobre evidências do uso do caixa dois, via contabilidade paralela, que envolvem crimes como evasão de tributos e danos aos sócios minoritários, credores e aos empregados.

Pretendemos com este breve estudo, demonstrar quais são as práticas mais usuais para tal delito.

 A abordagem do tema se justifica em função do risco da violação dos princípios da “probidade”, da “função social da propriedade”, “diligência” e da “fidelidade das demonstrações contábeis”. Além da real e importante necessidade de se divulgar técnicas de percepção periciais contabilísticas, que envolvem estratégias e táticas vinculadas ao planejamento de um exame pericial e/ou exame periódico de rotina nos controles internos realizados pela auditoria.

A pesquisa está lastreada em casos reais, onde foi detectado tal patologia, no nosso laboratório de perícia forense-arbitral, cujo resultado do exame, na maioria dos exames vinculados à apuração de haveres, indenizações, responsabilidade de gestores, entre outros análogos; foi um diagnóstico positivo para a prática do caixa dois e desvio de finalidade.

  1. Introdução:

Muitas são as ocorrências do delito de caixa dois. Trata-se de um juízo de fato. Motivo pelo qual, os contadores, na busca da credibilidade dos relatos contabilísticos, estão tentando alinhar a contabilidade contemporânea à compliance, o que, por si só, indica a existência de um juízo de valor por parte dos operadores da contabilidade.

Os administradores são pessoalmente responsabilizados pelos tributos sonegados, nos casos de abuso de poder, art. 135 do CTN. Naturalmente quem acusa, deve provar a conduta abusiva do gestor. 

  1. Desenvolvimento:

Inicialmente consideramos deveras importante, a identificação de evidências, como sendo um paradigma para uma investigação. Naturalmente sem que com isto, seja violado o direito inalienável dos gestores e sócios controladores, a ampla defesa e o contraditório.

O caixa dois via simulação ou dissimulação de registros contábeis, ou de forma indireta por uma contabilidade paralela, é aquela movimentação financeira feita às margens das normas da política contábil vigente, geralmente com o objetivo de burlar o fisco, enganar os sócios/acionistas minoritários, ou credores de uma forma geral.

O delito, saldo do “caixa dois”, é gerado com a omissão do registro da receita, ou com pagamentos fictícios, que podem envolver: despesas, custos, e dívidas simuladas.

Caracterizam-se como omissão no registro de receita e caixa “dois” ou contabilidade paralela, os seguintes fatos:

I – A existência de saldo credor de caixa;

II – A falta de escrituração de pagamentos efetuados;

III – A manutenção no passivo já pagas, ou cuja exigibilidade da dívida não seja comprovada;

IV – Depósitos bancários, cuja origem não seja: financiamentos, empréstimos, aporte de capital social, integralização de capital, desconto de duplicatas, alienações de ativos permanentes, valores decorrentes de transferência de outras contas da própria pessoa jurídica e/ou de suas coligadas ou controladas, operações de factoring entre outras hipóteses análogas e lícitas. É deveras importante o fato de que os depósitos bancários ou encaixes oriundos de intermediação de negócios ou de receita de intermediação, não constituem caixa “dois” ou a receita no seu sentido tributário;

V- Manutenção de saldos em contas bancárias e/ou investimentos não registrados na contabilidade;

VI- Pagamento de salários dos empregados fantasmas, também são fontes geradoras de “caixa dois”;

VII- A falta da emissão e registro de notas fiscais pela compra, caracteriza a omissão de receita, e manutenção de registros paralelos;

VIII- A prática de “nota calçada” ou meia nota, em que a via destinada ao registro de suas vendas figura por valor inferior ao valor real da operação, configura omissão de receitas operacionais e geração de caixa dois.

A conciliação do extrato de uma conta bancária, com os registros do Livro Razão, são base de uma não comprovação da origem dos recursos representados por cheques ou dinheiro recebidos de terceiros, depositados em contas-correntes tituladas pela pessoa jurídica, aliada à impossibilidade de identificação das correspondentes operações na escrita contábil por ela mantida, leva a presunção, por evidências,  de que tais recursos, caixa dois,  se originaram de receitas não reconhecidas na contabilidade.

As multas ou qualquer forma de punição pela prática de caixa dois, ou seja, as não-conformidades, cujo ato gerador tem causa no caixa dois, são originárias de culpa ou dolo, omissão ou ação deliberada do gestor de uma célula social. As multas e punições não podem ser atribuídas à pessoa jurídica, pois esta não deve ser responsabilizada por atos de desvio de conduta dos gestores e/ou sócios controladores. A ausência da fidelidade nas demonstrações contábeis, implica a quebra da personalidade jurídica dos gestores e sócios/acionistas controladores, consequentemente, com o confisco de bens para o pagamento dos danos gerados pelo delito.

Todas as possíveis causas do caixa dois, representam uma maquiagem ao balanço patrimonial e ao balanço de resultado econômico, está maquiagem cria a figura do balanço putativo (balanço que aparenta ser verdadeiro, certo, sem o ser; suposto, reputado como fidedigno). Para a descaracterização do balanço putativo, os fatos caracterizadores do caixa dois, maquiagem, como passivos fictícios, entre outros, devem ser reclassificados para contas do patrimônio líquido, lucros/prejuízos acumulados.

  1. Considerações finais:

O caixa dois, as multas e demais ônus devidos pelo crime de sonegação, devem ser registrados no ativo exigível a longo prazo, como um direito da pessoa jurídica de receber dos administradores, por abuso de poder e desvio de conduta. Tal opinião e certeza contabilística, fundamentam-se na teoria ultra vires e nos artigos 47[1] e 1.016[2] do CC/2002.

A desmaquiagem dos balanços, é fato relevante e incontrovertido, para solução das questões vinculados à: distribuição disfarçada de lucros/dividendos, apuração de haveres, pedido de recuperação judicial ou decretação de falência, responsabilidade de gestores e dos sócios/acionistas controladores, registro do direito da pessoa jurídica de receber dos gestores, os desvios de recursos e multas, pagamento a empregados de participações nos lucros, e pagamento de lucros/dividendos que reflitam a situação econômica real.

[1]   CC/2002, art. 47“Obrigam a pessoa jurídica os atos dos administradores, exercidos nos limites de seus poderes definidos no ato constitutivo.” (Considerando que nos limites de poderes e atos constitutivos, não se incluem a elisão fiscal e a manutenção de contabilidade paralela, as consequências destes desvios são de responsabilidade das pessoas que administram a cédula social e não a pessoa jurídica, logo, não pode ser considerada como despesas, e sim, um direito de reaver as perdas. Interpretação do autor, logo, não consta grafado no texto original da lei).

[2]   CC/2002, art. 1.016: “Os administradores respondem solidariamente perante a sociedade e os terceiros prejudicados, por culpa no desempenho de suas funções”. (Considerando que as perdas em decorrência da elisão fiscal e do caixa dois, para fins do direito civil, são atos culposos, deve o administrador ressarcir tais prejuízos, pois estes são de responsabilidade das pessoas que administram a cédula social e não as pessoas jurídicas, logo, não podem ser consideradas como despesas, e sim, um direito da pessoa jurídica de reaver as perdas. Pois, em caso contrário, estaríamos prestigiando a locupletação sem causa. Esta interpretação é do autor, logo, não consta no texto original da lei).